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Checkup do ESG no Brasil

Em termos práticos, o sucesso de longo prazo exige disciplina ESG, diz a Drª Jeane Tsutsui, CEO do Grupo Fleury. Ela fala com Roberta Lippi e Daniel Wiedemann, da Brunswick, sobre sua jornada.

Jeane Tsutsui, CEO do Grupo Fleury, uma das principais empresas de medicina diagnóstica do Brasil, iniciou sua carreira na empresa em 2001 como cardiologista. Filha de imigrantes japoneses – seu pai era comerciante e sua mãe, dona de casa – foi a primeira médica da família e fez pesquisa de pós-doutorado no Centro Médico da Universidade do Nebraska.

Obteve um MBA em pesquisa, desenvolvimento e inovação e, em 2007, foi convidada pelo Fleury para liderar uma especialidade em pesquisa e inovação, iniciando seu caminho na área de gestão. Desde então, também atuou como Diretora Médica.

Em 2021, foi nomeada CEO do Grupo Fleury.

“Talvez o elo aqui seja uma conexão com o propósito”, afirma, em entrevista concedida a nós na recém-inaugurada sede do Fleury em São Paulo. “É algo em que eu realmente acredito. Como médica, você tem um impacto na vida de um paciente, até mesmo de muitos pacientes. Mas, como gerente de uma empresa de saúde, você causa impacto na saúde de todo um setor, na sociedade. Portanto, a conexão com o propósito continua”.

Fundada há 98 anos, a empresa é uma referência do setor de saúde na América Latina. Sob o comando de Jeane, o Fleury concluiu uma fusão transformadora no ano passado com o grupo Hermes Pardini, consolidando sua posição como a terceira maior empresa de saúde do Brasil. As ações do Fleury são negociadas no Novo Mercado da B3 e o valor de mercado atual do grupo é de cerca de R$ 7,7 bilhões.

A empresa é altamente reconhecida por sua transparência e desempenho em ESG. O Fleury há muito tempo conta com uma forte governança e engajamento social para garantir uma melhor prestação de serviços à comunidade altamente diversificada do Brasil. Mas agora o grupo também estabeleceu metas de net zero para 2050 e metas de redução de resíduos biológicos de 20% até 2025.

“Essas metas são desafiadoras e nos obrigam a inovar sempre”, Jeane. “Estamos estruturando nossa jornada de descarbonização em direção a um compromisso net zero para que tenhamos mais clareza sobre nossos desafios nesse sentido. A geração de resíduos é o principal aspecto ambiental da empresa. Estamos confiantes de que, com a energia e a disciplina necessárias, a empresa se mobilizará para atingir as metas estabelecidas.”

Na entrevista abaixo, Jeane Tsutsui descreve os desafios de administrar mais de 22.000 funcionários, 4.900 médicos e quase 7 bilhões de reais de receita bruta anual. Ela também compartilha conosco suas opiniões sobre a evolução do ESG e as pressões sobre a empresa para atender aos padrões em constante mudança. A verdadeira sustentabilidade, segundo ela, implica uma lucratividade de longo prazo que só pode existir em uma base sólida de engajamento social e ambiental.

Como sua carreira de médica a levou a se tornar CEO de uma empresa multibilionária?

A mentalidade de um cardiologista, que pensa de forma sistêmica o sistema cardiovascular, acaba sendo bastante interessante em um momento de tantos desafios no sistema de saúde. Nós trazemos uma visão sistêmica para a forma como pensamos a estratégia do Fleury hoje. Estamos construindo um ecossistema de saúde. Adicionamos ao nosso trabalho mais camadas de responsabilidade comum, como as metas ESG e a expansão do acesso à saúde. Hoje em dia, as empresas não estão focadas apenas nos lucros para os investidores, elas estão focadas em todas as partes interessadas. Isso significa ser capaz de ajustar suas táticas e sua estratégia para se adequar às novas expectativas.

Essa é a beleza da diversidade: você pode trazer pessoas com perfis e mentalidades diferentes para que elas se complementem e, juntas, tenham uma equipe com melhor desempenho.

Como você vê algumas dessas novas expectativas, como Diversidade, Equidade e Inclusão, por exemplo?

Ser um CEO significa não pensar apenas em si mesmo como gestor, mas também é preciso formar equipes complementares que lhe tragam outras habilidades e competências.

Portanto, é preciso ver e valorizar a diversidade nos líderes de sua equipe. Você precisa de diversidade para poder ir além das habilidades individuais. Essa é a beleza da diversidade: você pode trazer pessoas com perfis e mentalidades diferentes para que elas se complementem e, juntas, tenham uma equipe com melhor desempenho.

Somos naturalmente diversificados devido à nossa presença nacional. O Brasil está debatendo cada vez mais os desafios de criar um ambiente igualitário, seguro e acolhedor para todas as pessoas da sociedade. Porém, mais do que garantir a expressão e o respeito à singularidade das pessoas, a valorização da diversidade e da inclusão envolve uma busca contínua por cooperação e soluções que interessem a todos, em todos os lugares, para criar ambientes colaborativos e inclusivos nos quais as pessoas se sintam bem e seguras para serem quem são. Isso reflete a diversidade de todos os mercados em que atuamos.

Há áreas em que ainda precisamos trabalhar. Por exemplo, quase 80% de nossos funcionários são mulheres. À medida que você vai subindo, acima dos coordenadores, elas são 60%. Na diretoria executiva, são 30% – também temos representação no conselho. Nosso programa Elas na Liderança foi criado para incentivar e desenvolver mais talentos, com foco específico nas mulheres negras. Esse é um desafio que temos, essa intersecção de mulheres na liderança e igualdade para as mulheres negras.

Como você rebate aqueles que veem na ação afirmativa uma falta de promoção baseada no mérito?

Em primeiro lugar, o papel do Elas na Liderança não é apenas colocar automaticamente as mulheres negras na liderança. Em vez disso, desenvolvemos um grupo de mulheres para que elas possam competir e assumir posições de liderança. O problema, muitas vezes, é que as mulheres não carecem de capacidade, mas sim de oportunidades de desenvolvimento. Frequentemente, elas não concorrem a esses cargos por causa disso.

A ação afirmativa vale a pena ou não? Cada organização tem de encontrar seu próprio caminho. Nossa posição é que somos uma empresa que busca excelência em serviços, excelência tecnológica, excelência médica, ao mesmo tempo em que entendemos que desenvolver e trazer essa diversidade faz parte de uma missão, de uma cultura, e que isso tem vantagens. Não temos cotas. O que fazemos é discutir a importância da diversidade e do desempenho, e incentivamos essa discussão e os resultados que ela pode trazer. Isso nos ajuda a ampliar o conjunto de talentos que estamos escolhendo.

[ESG] permeia toda a empresa, com métricas para executivos implementadas em toda a organização.

Sua empresa é reconhecida por seus compromissos com o ESG em geral. Como isso se alinha com suas operações?

O Fleury ve trabalhando com a questão da sustentabilidade há mais de 20 anos. Começou com o foco na qualidade de nossos serviços, e isso levou a todo o aspecto de realmente ter uma visão de sustentabilidade estratégica, um posicionamento muito claro de impacto social. Essa é uma história construída ao longo de 20 anos que premiou a cultura do Fleury de várias formas. Não acho que isso possa ser construído da noite para o dia. É realmente uma jornada que precisa de tempo para progredir e amadurecer.

Quando olhamos para o ESG no Fleury hoje, ele tem um peso estratégico muito grande em todos os aspectos do negócio. O comitê ESG do conselho é liderado pelo presidente do conselho de administração, por exemplo. Isso mostra o quanto isso é importante em termos estratégicos e de governança. Eu participo o tempo todo das discussões de ESG como estratégia e temos um diretor executivo de estratégia e ESG. Isso permeia toda a empresa, com métricas para executivos implementadas em toda a organização.

Para muitas empresas, o E, o ambiental, é o aspecto mais importante. Mas para nós, para o nosso setor, é o social. O aumento do acesso à saúde está incorporado ao modelo de negócios – essa é uma clara preocupação social e comercial. Para fazer isso e ter um retorno financeiro, você precisa ser mais produtivo, pois, caso contrário, chegará um momento em que os recursos serão muito escassos. Essa motivação incentiva uma abordagem sustentável, de forma que se traduza para todas as partes interessadas.

No passado, os programas sociais eram vistos mais como filantropia. Essa percepção mudou e hoje a incorporação ao modelo de negócios garante a sustentabilidade das iniciativas. Não se trata de uma dicotomia: ou eu faço isso ou tenho lucro. Como líderes, temos a responsabilidade de demonstrar isso.

Temos uma série de métricas e objetivos claros em cada uma das áreas ambientais, sociais e de governança, que monitoramos em relação a uma série de parâmetros internacionais. Somos reconhecidos pela inclusão no ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) da B3 e no Índice Dow Jones de Sustentabilidade. Isso requer atenção e diligência. Há um aspecto educacional interno de mudança de cultura e uma interação com o público que trabalhamos o tempo todo.

Ainda temos muito a aprender. Porque abordamos isso como uma jornada, como eu disse.

Não identificamos nenhuma resistência às metas de ESG no ambiente nacional. O que podemos identificar é uma resistência específica à mudança em geral.

Você mencionou o envolvimento da diretoria com o ESG. Pode nos dizer como isso aconteceu? Você precisou convencê-los?

Não, como eu disse, começamos com a questão da qualidade de nossos serviços. Portanto, nossa estrutura social – e, posteriormente, ambiental – surgiu daí. Assim que nos tornamos uma empresa de capital aberto, com uma governança muito forte, isso se tornou algo que o conselho de administração começou a monitorar mais de perto, com métricas estruturadas, e começou a impulsionar muito essa agenda em geral. Nosso comitê de ESG foi formado em 2021 como uma continuação desse processo.

Não acredito que isso possa ser imposto a uma empresa; há um aspecto da cultura que é importante para essa jornada, o envolvimento de todos os níveis da organização. A alta liderança precisa estar comprometida com a questão de ESG para que ela tome forma e, ao mesmo tempo, a combinação de uma cultura em que o tema já é discutido e incorporado ao longo do tempo ajuda a aumentar a velocidade e o impacto que você tem sobre ESG na organização.

O mercado está em constante evolução, e as pressões de várias partes interessadas fazem parte dessa dinâmica. Isso é visível principalmente nos EUA. No entanto, é fato que os recursos são escassos e a comunidade internacional precisa chegar a um consenso para mitigar o risco de escassez agora e para as gerações futuras. É necessário investir em uma visão de longo prazo.

Com relação à reação contra o ESG nos EUA, você vê alguma reação desse tipo no Brasil e na região da América do Sul?

Não identificamos nenhuma resistência às metas de ESG no ambiente nacional. O que podemos identificar é uma resistência específica à mudança em geral, pois há culturas organizacionais que favorecem ou dificultam a mudança. A história recente nos mostra que as empresas com maior dificuldade de adaptação são as mais vulneráveis às flutuações do mercado e às mudanças sociais.

Para encerrar, gostaríamos de saber se houve alguém em especial que a inspirou em sua carreira.

Não se trata tanto de uma pessoa, mas de um conjunto de coisas e pessoas que, ao longo do tempo, permitem que você se desenvolva como pessoa, como líder, como gerente, como profissional em diferentes áreas. Estamos sempre em busca de inspiração, de energia e motivação, porque a vida cotidiana suga energia. Os negócios são muito orientados para resultados. É um trabalho árduo. Como líder, faz parte do meu trabalho, de fato, inspirar os outros e ter tempo para isso.

Você pode aprender e se inspirar tanto com os erros quanto com os acertos. Todo mundo quer falar apenas sobre as coisas boas. Mas é preciso que as pessoas também falem sobre os erros, os erros delas e os seus – pessoas que lhe transmitam mensagens difíceis e façam a gente refletir sobre a carreira. Essas são as pessoas que, no final, o ajudarão a se desenvolver em todos os aspectos.

fotografia: grupo fleury

The Authors

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Roberta Lippi

Partner, Head of Office, São Paulo

Roberta has more than 25 years of experience in various aspects of communications, including corporate positioning, crisis, media relations, stakeholder engagement and media training.

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Daniel Wiedemann

Director, New York

Daniel draws on his international experience and two-decade career in broadcast journalism to advise clients on a range of business-critical issues including corporate reputation, crisis communications, investor engagement and sustainability.